Foi encontrado um bebé, recém-nascido, no lixo! - Está tudo errado nesta frase! Esta é a frase que jamais deveria ser escrita, proferida, imaginada, porque isto nunca deveria acontecer!
Mas aconteceu! Aconteceu em Lisboa, capital de Portugal, país da União Europeia, país de primeiro mundo (podemos discordar, filosofar sobre o tema, mas o facto é que Portugal é um país de 1º mundo... seja lá o que isso for.).
Aconteceu em pleno Séc. XXI! Numa época de avanços tecnológicos inimagináveis há meia dúzia de anos, numa altura em que decorre o WebSummit (exactamente nesta cidade, nesta capital, neste país... isto pode ser uma redundância. Não é! É antes um sublinhar, um negrito para que fique bem gravado nas nossas mentes).
Nas notícias, vozes levantam-se, os indignados do costume saem da sua toca, dos seus cubículos bafientos, abrem a boca cheia de mofo e bolor para botarem opinião... Que raio de mãe faz isto?, perguntam-se!... e eu, na minha ignorância mas sabendo que a Polícia Judiciária está a investigar, questiono-me, quem disse que foi uma mãe?... como se parte logo do princípio que é uma mulher?... não poderá ter sido o casal?... o pai?... os avós?... alguém que não a mãe?... claro que também poderá ter sido a mãe mas, para já, não se sabe e os ratos de sacristia (aquelas e aqueles que se auto-denominam católicos apenas e só porque vão à Igreja) apontam logo o dedo a uma mulher.
Profissionais (?!?!) traçam o perfil psicológico de uma mãe que faz isto a um filho... nada se sabe sobre o assunto, relembro-vos o meu parágrafo anterior, mas estas mentes iluminadas já sabem que foi uma mãe e sabem que tipo de mãe faz isto a um filho...
Isto leva-nos para a questão seguinte: O que leva uma pessoa a fazer isto a um recém-nascido?... e isto faz com que, em vez de apontarmos o dedo a uma mãe, esse ser desprezível que abandona um bebé indefeso no caixote do lixo, apontamos os dedo a nós! Nós, sociedade, que não criamos condições para que mães a pais o possam ser; Nós, sociedade, que dificultamos o acesso à saúde mental; Nós, sociedade, que continuamos a não falar de sexo, de vida sexual, de saúde sexual, porque é "pecado"; Nós, sociedade, que não facilitamos o acesso a um planeamento familiar em condições; Nós, sociedade, que continuamos a permitir violações, abusos sexuais, violência contra as mulheres (a culpa é sempre delas. Mesmo quando um bebé é abandonado); Nós, sociedade, que perpetuamos, apoiamos e normalizamos o machismo (estás grávida?... azar! Aguenta! És uma vadia!...); Nós, sociedade, que criámos um sistema de interrupção voluntário da gravidez pouco acessível, violento, que ainda critica e aponta as mulheres como criminosas (é sempre preferível ter um bebé abandonado no lixo para depois podemos mandar prender a pessoa que o fez e dormirmos sossegados após rezar um terço...); Nós, sociedade, que despedimos mulheres grávidas, que não aceitamos que os pais faltem ao trabalho para darem o devido apoio aos filhos (homens porque não é a sua função; mulheres porque faltar ao trabalho para levar o filho ao médico, ou ficar com ele porque está doente enquanto há tanto para despachar na empresa, não é bom!)...
Nós somos uma sociedade de merda porque permitimos que hoje, em pleno Séc. XXI, numa capital europeia, um bebé recém-nascido seja abandonado no lixo!
O que leva uma pessoa a fazer tal coisa? Ninguém quer a resposta a esta pergunta. Responder a isto é fazer uma profunda reflexão sobre quem somos, fazermos mea culpa, e obrigarmo-nos a mudar tanta, mas tanta coisa... É tão mais fácil arranjar um culpado, traçar-lhe o perfil psicológico (sossega-nos a todos, acreditem! A melhor forma de sossegar uma sociedade é traçar um perfil psicológico de um culpado. Faz com que descubramos todas as diferenças que nos separam dele, sossegando-nos, afinal isto não nos poderá acontecer, somos tão diferentes!) e continuar tudo na mesma!
A sociedade prefere que a pergunta seja: Quem fez isto? Que tipo de pessoa faz isto a um bebé?... fazemos então uma rápida análise aos acontecimentos, baseada na nossa vida, na nossa experiência, nos nossos privilégios e no perfil psicológico traçado pelos entendidos e voilá... Temos C-U-L-P-A-D-O!!!... E NÃO somos nós!!! Sacudimos as mãos e prosseguimos com as nossas vidinhas!
Uma sociedade onde isto acontece é uma sociedade de merda e somos todos culpados!