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A Marquesa de Marvila

Aqui não se aprende nada... Lêem-se coisas escritas por mim, parvoíces na maioria das vezes mas sempre, sempre verdades absolutas (pelo menos para mim).

Esqueçam a mesa da Georgina

Ontem tive bastante dificuldade ao nível de dormir... detesto não dormir e desperdiçar tempo acordada durante a noite quando dormir é uma actividade tão prazerosa... raisparta! Mas, volta e meia, mesmo uma marquesa tem de se dar a estes desvarios do povo e ter insónias... maldição para quem as inventou!... quando vos disserem que a natureza é perfeita lembrem-se de quem inventou as insónias... bandida!

Bem, dizia eu, enquanto me virava na cama de um lado para o outro, o meu cérebro resolveu viajar e eu deixei-o ir, ao menos alguém que se divirta numa noite de insónias, não é verdade? Vai daí foi-se alojar e reviver um longínquo tempo em que eu trabalhava por conta de outrem... mais concretamente num episódio de que a minha psicóloga me lembra (sim, ainda ando na psicóloga!... eu já vos avisei que tenho uma falhinha...) sempre que eu acho que sou uma incapaz (o que se dá com bastante frequência, devo dizer-vos).

Ora, quando eu trabalhava por conta de outras ´ssoas, vivi naquela empresa uma dicotomia (sim, eu também sei palavras caras... ou médias, vá!) emocional, e eles também. Ora precisavam de mim, ora corriam comigo. Vivemos assim, uma relação próxima da toxicidade, durante uns 12 ou 13 anos... ou mais, já nem sei!... numa das vezes que me dispensaram, os astros não dormem, arranjaram para me substituir uma gaiata (nunca a conheci mas era mesmo uma gaiata e já vão perceber porquê) que um dia, em plena organização de um mega evento, deu ghost (como dizem as minhas filhas)... mas o que é isso de dar ghost, oh Marquesa de nuestras vidas?... saiu do escritório ao final do dia e não mais voltou!... não telefonou, não apareceu, nada!... Depois de muito se procurar pela cachopa, até no Facebook (ainda um bebé na altura) se andou, lá se conseguiu chegar à fala com a mãe que disse que, sim senhora, a gaiata estava viva e de boa saúde mas não queria voltar a trabalhar ali... Ah, era uma má empresa, é isso? Não, não era! Era uma empresa com excelente ambiente, que ainda lhe pediu que ela lá fosse assinar uns documentos e receber o cheque, com pessoas espectaculares, trabalho frenético e de muita responsabilidade e com um director que ora me amava ora me dispensava... Mas ainda hoje falo com toda a gente, sou amiga de todos, mesmo do director. Posto este cenário, lá uma das directoras (era sempre a ela que lhe cabia este papel) telefona-me a pedir se eu podia tomar conta deste projecto e a explicar-me o que tinha acontecido. E eu que sim senhora, vamos a isso!

Lá chego eu à empresa, e passava-se que eu ia ser totalmente responsável por organizar uma reunião internacional, com cerca de 100 pessoas (ou mais, já não me recordo bem da quantidade, eram muitas!) em Portugal. Ora isto implicava biliões de cenas (não estou nada a exagerar, não minervem, catano!), desde estadia para esta malta toda, com local para formações, jantares, almoços, camionetas, jantar de gala, entretenimento paras as famílias que traziam com elas... todos de origem hispânica... de todos os países que foram ex-colónias de Espanha e também pessoas da própria Espanha. Era um bale, bale por ali fora que vocês sabem lá...

E agora perguntam vocês, em uníssono, claro! : E nós com isso?!?! Que história mais chata é esta?!?

E eu, que sou moça educada e empática digo-vos: Não gostam não leiam! Raisparta!... Mentira!... digo, que sim!, têm razão... mas eu escrevo o-queu-quiser-e-ninguém-manda-em-mim!

Bem, depois de muito labutar, de ter tudo organizadinho, de abalarmos todos a cantar e a dançar, após a recolha de toda a malta no aeroporto a chegarem a horas diferentes e o caneco, lá fomos para o local de eleição que... era nada mais nada menos do que o palácio onde a minha avó viveu! Vero! Aquilo, o palácio, hoje é um hotel de luxo e eu chego lá, toda lampeira, recebo a malta toda, instalo a malta toda, ando tipo barata tonta, mas com um ar de marquesa mega profissional, oh caneco!, de quem tem tudo sob controlo!... e... este foi o momento alto do dia!... não!, da organização!... Não!, do evento!... Não!, da minha vida!

Então, estava eu num corre, corre quando a pessoa, que estava a trabalhar comigo na organização mas da parte do hotel, vem ter comigo e diz: Dótóra Marquesa, hoje reunião às 17h! Bale?... e eu que sim, senhora! Eu sou lá de dizer que não a uma reunião!... até porque eu estava em modo carro telecomandado, digam que eu faço! É para esquerda?!... 'bora lá então!...

Às 17h lá fui eu... toda catita, caderno debaixo do braço esquerdo, dossier debaixo do braço direito, blazer, camisa... e entro na sala... e foi aí que a minha alma se me escapa do corpo, assim, num abandono pleno e sem dó nem piedade, ainda apresentei queixa na Associação dos Corpos Abandonados pelas Almas, mas de nada me valeu! Ela bazou e só voltou no final da reunião e depois de tomar as devidas gotas e precauções.

Estão a ver a mesa da Armani que a Georgina queria por à venda no OLX por 10.000 euros?... esqueçam!!! A mesa da Georgina a comparar com aquela era uma mesinha de chá!... Não estão bem a ver, senhores!! Uma mesa retangular gigante, brilhante, luzidia, benzadeus a desgraçada da 'ssoa que tem de polir a dita! Muita coragem nessa hora!.... bem, dizia eu!, uma mesa enorme, e vai de me sentarem na cabeceira e à minha volta era todo um acontecimento... eu pus o meu sorriso 33 e alguém começa a falar:

- Boa tarde, bem-vinda (sim, separado se não era a senhora Benvinda e ela não quis estar presente!) ao nosso hotel!, eu sou fulano, director geral do hotel (e eu, como disse?!?!... director geral?!?... ai o caneco! Já fiz merda e vou presa!), ao seu lado esquerdo está o Gerente de Dia, a seguir o Gerente de Noite, a seguir o Director(a) de Catering, Director(a) Financeiro, Director(a) de Segurança, Chefe de Cozinha, Chefe de Sala, Responsável pelas Salas e Formação, Director do Departamento de Informática, Responsável de Recepção, Responsável pela Organização de Eventos, Responsável pela Limpeza... e mais uma data de gente que o meu cérebro, gentilmente, não processou. Com isto passam-me para as mão um telemóvel para uso interno com contactos directos para todos eles, 24h por dia!... Eu agradeci, mantive o sorriso e o ar de que aquilo era o meu dia-a-dia, e ralhei com eles... houve uma falha gigante da parte deles que, sem aviso prévio, não nos dispuseram todos os quartos que tínhamos reservado e enviaram uma série de pessoas para outro hotel perto mas de 4 estrelas... perguntei como iriam resolver a situação. O Director do Hotel disse que tinha tido conhecimento disso antes da reunião e que já tinha solicitado a conta ao outro hotel, que eles a assumiriam, e já tinham quartos para todas as pessoas que tinham ficado no outro hotel na noite anterior. Baixou em mim a marquesa orgulhosa de si, não há nada como subir nos nossos sapatos e desatar a expor o nosso descontentamento numa mesa de milhares de euros, polida, em frente de todas aquelas pessoas importantes que já se tinham apresentado à vez e feito perguntas como, alergias alimentares, joias para guardar no cofre, medidas excepcionais de segurança, etc, etc..., com uma série de par de olhos em cima de nós!...

Saí dali e, para além de um riso hipnótico e cara de Chucky, adquiri tiques nervosos e ameaças de avc... mas tinha um telefone para comunicação interna, caneco! Raisparta, que pessoa mais importante no mundo, do que eu, naquele momento, não havia. Cheguei ao quarto e faleci... depois ressuscitei, mas naquele momento faleci. E fiquei com diarreia também! Catano que devia haver seguro para isto! Agora estava rica! Foram 4 dias de trabalho louco, intenso e muito compensador. Correu tudo maravilhosamente, se esquecermos os momentos em que Marquesa foi Marquesa e meteu os pés pelas mãos... O que interessa é que no fim fui parabenizada, o meu nome fez parte de discursos, passei a tomar mais gotas pós nerves do que era costume e nunca mais fui a mesma! 

Ps. Após este serviço espectacular que prestei, com parabéns oficiais dados pelos clientes estrangeiros, e logo após o último almoço, entrei no comboio para Coimbra ver U2 e no dia seguinte embarquei num cruzeiro e deparei-me com uma tempestade no Atlântico Norte!... momentos na vida da vossa Marquesa favorita... fica para outro dia!

Porcelana e rissóis

Hoje uma das minhas avós faria anos... se fosse viva faria mais de 100...

Foi dela que herdei a realeza. Pessoa de "boas famílias", seja lá o que isso for, ela sim, viveu num palácio! Um palácio a sério, daqueles com igreja dentro e tudo, um palácio sem princesas mas com nobreza. Um palácio que já foi palco de filmes e novelas, que eu via com a minha avó, em sua casa, e testemunhava a sua mais profunda tristeza por já não viver lá e por este ter mudado de mãos. Curioso que, anos mais tarde, por mais do que uma vez, a minha profissão já me levou a tal palácio, até já lá pernoitei. 

Há muitos, muitos anos, as mulheres não podiam herdar propriedade agrícola, e aquele palácio assim era considerado. Ficou tudo para o meu tio avô que depressa tudo perdeu.

A minha avó, para quem gosta e entende de signos, era uma aquariana pura. A pessoa que fazia tudo ao contrário do que era suposto. De uma boa disposição, com um sentido de humor, com um conhecimento e cultura enormes. Enquanto os seus irmãos escolheram desportos dignos de meninos que viviam num palácio, a minha avó foi jogar hóquei. Vero! Foi guarda-redes da selecção feminina de hóquei. Ainda há fotos dela por aí nas paredes dos clubes e federação. Estudou até ao 12º ano, nunca aprendeu a tocar piano, mas dançava e batucava numa pandeireta como só ela, estudou num excelente colégio e teve professores em casa e um ror de empregados. Andava, segundo ela, de bicicleta dentro de casa o que enlouquecia a minha bisavó e os empregados. Pregava partidas a toda a gente e estava proibida de comparecer aos jantares e festas que os meus bisavós davam... ela não só arranjava maneira de comparecer (nem que fosse com a farda roubada a uma empregada) como de fazer uma asneira ou outra que punha muitos a rir e alguns a espumar...

A minha avó conheceu presidentes da república, em Portugal e no estrangeiro. Foi recebida no Palácio de Belém numa cerimónia privada do presidente da altura e sua mulher. Claro que a primeira coisa que fez quando saiu de lá foi contar-nos tudo, a rir e a sonhar com todos os disparates que queria ter feito mas conteve-se. Ela sabia mesmo estar... quando queria!... A minha avó saiu dos banquetes e rumou, religiosamente, todos os anos, para a festa do avante. A minha avó casou, teve 4 filhas, 6 netos e, já não tendo eles o privilégio de a conhecer, nenhum deles, 8 bisnetos.

A minha avó tinha um doce coração, era muito liberal, para a altura, aparentemente despreocupada com as filhas, a quem dava responsabilidade e elas que se amanhassem (Aquário, lá está!), fazia de tudo para fazer rir os netos, para os fazer felizes. O meu pai, seu ex-genro, ainda hoje diz que ela foi a melhor pessoa que ele já conheceu, um pouco aluada da cabeça mas excelente pessoa.

A minha avó era uma aquariana pura, daquelas que faz mesmo tudo ao contrário do que é suposto. Quando educou as filhas, no seu aparente amanhem-se, ensinou-as a estar, a falar, a pegar em talheres, a cortar fruta com garfo e faca. A minha avó achava-se feia, e achava que o meu avô era bonito. Para lhe fazer ciúmes, quando iam na rua de braço dado, ela posicionava-se ligeiramente atrás e, cada vez que passavam por alguém, ela fazia caretas, naturalmente as pessoas olhavam, sorriam-lhe e viravam-se para trás. Ela, orgulhosa ouvia o meu avô dizer-lhe, toda a gente olha para ti, pela tua beleza.

A minha avó fazia os melhores rissóis do mundo, o melhor bolo do universo, passava horas a fazer-me festas nas costas e a contar histórias da sua vida passada. A minha avó teve uma educação esmerada mas era comunista. A primeira vez que andei de avião na minha vida foi com ela, 14 horas de viagem, eu e ela, sozinhas. Eu criança e ela a comportar-se como se fosse, a rir e a fazer-me rir, a contar-me histórias para me distrair, a pintar e fazer desenhos comigo, a segurar-me a cabeça quando eu vomitei em pleno voo.

A minha avó levava-nos, a mim e às minhas primas, a lanchar às casas enormes das suas primas e tias. Era servido o chá em louça de porcelana, biscoitos estavam à disposição na mesa, tínhamos de estar direitas na mesa, saber pegar na chávena, usar os talheres e não falar a não ser quando nos perguntavam alguma coisa... ela olhava para nós de soslaio (olhem escrevi outra vez esta palavra!... viva eu!) quando estávamos a fazer mal, de repente dava-nos uma beliscão de baixo da mesa e enchia-nos os bolsos de biscoitos, sem que ninguém visse, sorria para nós e às vezes desatava a rir para incómodo da tia ou prima que nos recebia e não percebia o motivo... mas nós não podíamos perder a compostura. Havia uma prima que tinha uma casa tão grande que, quando eu e uma das minhas primas fomos à casa de banho, perdemo-nos. Ela, sabendo-nos perdidas, e sabendo que a casa tinha passagens de umas assoalhadas para as outras, por ali andava a fingir desespero que estávamos perdidas para sempre e que tínhamos de lá ficar a viver, nós a ouvirmos a tentar chegar a alguém e ela a fugir, a gozar connosco... salvámo-nos quando chegámos à cozinha e as empregadas, a rirem por já saberem o que se passava, nos levaram para o jardim para irmos ter com a minha avó que ria muito quando nos viu.

A minha avó já morreu há mais de 30 anos e ainda hoje eu sonho que ela afinal está viva. Hoje faria anos e onde ela estiver há, com toda a certeza, um belo bolo, música e danças, risos e partidas, chá em chávenas de porcelana tomado no chão de terra ao som de Grândola Vila Morena, fará um brinde com um qualquer rei e com Che Guevara.

Tenho saudades dela, não tivemos tempo para que me contasse todas as suas histórias, que eu ouvia deliciada.

A minha avó não era estouvada da cabeça, como muitos achavam, era aquariana, uma mulher muito, mas muito à frente no tempo, que a maioria não compreendia e por isso etiquetava de "aluada", ela era uma mulher moderna, liberal, que viveu fora do seu tempo. Se fosse hoje estaria mais enquadrada mas mesmo assim seria muito à frente.

Parabéns Avó!