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A Marquesa de Marvila

Aqui não se aprende nada... Lêem-se coisas escritas por mim, parvoíces na maioria das vezes mas sempre, sempre verdades absolutas (pelo menos para mim).

A menina já nasceu!*

- Já nasceu! - O avô correu para o hospital para ser o primeiro a ver a sua menina! A sua menina! Estava tão feliz. Depois da morte prematura da sua filha e de anos mais tarde ter tido um rapaz, esse rapaz (hoje um homem acabado de o ser) deu-lhe a sua neta! A sua menina!

A avó tremeu de medo... "Uma menina?... E agora?!... Se me morre mais uma menina?!...". Enquanto o avô estava em êxtase a avó estava tensa de medo, muito medo. Sabia que não iria aguentar perder mais uma menina sua.

Vivia-se naquela época um fervor sem precedentes na memória das gentes. Era a guerra colonial, para onde o pai da menina foi enviado de imediato, e havia rumores de revolução. O povo estava inquieto, se por um lado não queria mais ditadura, por outro tinha medo, tal e qual como a avó da menina.

A mãe da menina queria mais do que tudo, mais do que cuidar da menina, ir para a rua, dar inicio à revolução. Se o pai era um homem acabado de o ser, a mãe ainda não tinha entrado na idade adulta, que na altura eram os 21 anos. Estávamos a 7 meses da revolução de Abril. Estávamos a 7 meses do dia que mudaria este país para sempre. A mãe da menina não podia perder aquele momento. E lá foi. Para onde?... Ninguém sabia. Saía de manhã e voltava quando calhava.

A avó passou por cima do medo, mas sempre votada ao mais profundo respeito por ele, e cuidou da menina. O avô babava constantemente na sua menina. Dizia que era a mais linda do mundo! Que nunca tinha visto menina tão bonita como aquela. "Ela há-de ter tudo o que quer. No que depender de mim, ela será tudo e terá tudo. É a minha princesa.", dizia o avô para quem o quisesse ouvir.

E os dias foram passando, um atrás do outro... a avó que cuidava, o avô que não dormia embevecido com tamanha benção. Era capaz de tudo por aquela menina. Agradecia todos os dias tamanha dádiva.

7 meses volvidos e dá-se a revolução de Abril. Houve festa, alegria, medo, pânico, instabilidade... Os avós experimentavam um sentimento dúbio, se por um lado esta revolução significava o regresso do seu filho de África, da guerra, por outro havia o medo... o que iria acontecer ao país, ao povo... e onde andava a mãe da menina? Onde?... Por aí, a fazer parte da revolução. De que forma? Ninguém sabia muito bem. Saía de manhã e voltava quando calhava.

Para estes avós o importante era proteger a sua menina. A menina que com eles vivia há 7 meses.

Pouco depois do 25 de Abril, uns dias apenas, ainda toldados pela euforia, pelo medo, pela incerteza, mas com uma profunda vontade de cuidar da sua menina, o avô morreu. Assim, de repente... sem dar a oportunidade à menina para que dele tivesse memórias. Morreu, sem que o seu filho se pudesse ter despedido. Morreu, deixando órfã de amor a sua menina. A avó, morreu por dentro mais um bocado... O luto estava dentro dela, para sempre! A braços com uma menina, sem marido, o avô que tanto queria e amava a sua menina, teve de dar a volta... após meses de sofrimento, de uma dor profunda foi obrigada a arribar, a menina precisava dela... a menina não tinha mais ninguém que a cuidasse, que a amasse. E era sua missão amar tanto esta menina como o seu querido marido a tinha amado, devia-lhe isso. E cumpriu. Cumpriu sempre. Todos os dias da sua vida.

A menina foi crescendo com a certeza de ter ali o seu colo, o seu amor, o seu abrigo, aquele lugar que era o coração da avó onde ela vivia e iria voltar vezes sem conta, e que a salvava, que a protegia e que não a deixou morrer por falta de amor. Elas salvaram-se uma a outra, a avó e a menina. 

* Qualquer semelhança com a realidade pode não ser coincidência...