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A Marquesa de Marvila

Aqui não se aprende nada... Lêem-se coisas escritas por mim, parvoíces na maioria das vezes mas sempre, sempre verdades absolutas (pelo menos para mim).

Ponham-se, por um segundo, no nosso lugar!

Ontem surgiu um vídeo na internet de um directo em que um sujeito, não só assumia, como se regozijava com o facto de ter violado uma rapariga!

Todas as pessoas, decentes, ficaram chocadas! Partilhas na net, nas diversas redes sociais, críticas, choque, entranhas reviradas... eu inclusive!

Depois do choque inicial, apercebi-me, tristemente, que afinal não era um choque. É expectável! Aquilo que o sujeito fez é "normal" numa sociedade como a nossa. Vangloriar-se, em público, não é mais do que se tem feito nos cafés, nos grupos privados de machos, onde algumas mulheres também entram e acham normal, afinal "ela estava a pedi-las"...

Para as mulheres não é novidade este tipo de situações, neste caso levado ao limite que é a violação. Não há mulher no mundo que nunca tenha sido assediada, que nunca tenha tido medo, que não tenha temido pela vida e pela sua dignidade, que nunca tenha sido humilhada, que nunca se tenha sentido incomodada e desconfortável com comentários, piropos, etc.

Quando ainda há quem diga que o feminismo é ser "radical", que o feminismo quer acabar com os homens, que as mulheres têm os mesmos direitos e deveres do que os homens, etc, etc, etc... percebemos que há muitos milhares de quilómetros por percorrer... que vamos continuar a ter medo, que as nossas filhas vão continuar a ter medo e, quiçá, as nossas netas também. Enquanto houver quem considere o feminismo um grupo de loucas (preconceito machista) que quer acabar com os homens, as mulheres continuarão em perigo!

Por acaso um homem saberá o que é ter medo de andar na rua? E não estou a falar de ser assaltado, ser assaltado é um mal menor... é ter medo de que, ao virar da esquina, esteja um sujeito que nos apalpará, que nos perseguirá e nos violará... esse sujeito não tem medo! Esse sujeito sabe que a sociedade o protegerá, que sairá impune ou, quando muito, terá uma pena leve e desagravada, afinal ela estava a pedi-las, vinha de mini-saia, estava sozinha, estava com os copos, ele até nem tem antecedentes, é bom rapaz, bom filho, estudante ou um trabalhador exemplar.... até é casado e tem filhos... terá mesmo violado aquela mulher?... como disse um juíz há uns tempos, "Ninguém a violou! A senhora é feia e ninguém quer violar uma pessoa assim. Está a mentir!" ou o juíz que considerou que a violação de um rapaz a uma rapariga não teria sido grave, afinal ele é bem apessoado, filho de boas famílias, sem atecendentes, estudante universitário, com um futuro brilhante pela frente... saiu em liberdade com uma repreensão ou pena suspensa ou lá o que foi, tendo-se provado que tinha havido violação.

Ser mulher é viver com medo, muito medo! Um medo constante de que algo nos aconteça... um apalpão no metro; um sujeito a masturbar-se no jardim enquanto olha para nós; uma mensagem com a fotografia de uma pila enviada para o nosso telemóvel; um "comia-te toda, oh jeitosa!" gritado do outro lado da rua; um beijo forçado na escola; um "ela é uma vaca, puta, cabra, histérica, etc, etc" dito após um "não"; um grupo de colegas de turma a babarem-se e a proferirem comentários sobre as nossas mamas e os nossos rabos em plena aula de educação física enquanto o professor (e professora, o machismo é transversal) diz: "não ligues, são só rapazes a serem parvos", sem castigo, sem punição; ter uma fotografia nossa, enviada de forma privada, exposta por toda a internet (claro que a culpa foi nossa, não a tivéssemos enviado. Relembro, uma foto privada!); toda a escola, trabalho, bairro (o que for) ficar a saber que fomos para a cama com fulano, somos umas putas (ele é um herói, claro!); estar num trabalho, com outras colegas, e ouvir o cliente dizer "esta é para casar, as outras só servem para levar para a cama" e todos rirem muito; ter colegas a comentar com outros a nossa prestação sexual (sendo verdade ou mentira... ninguém vai acreditar que foi mentira e que aquele elemento nunca nos viu o rabo, quanto mais ter ido para a cama connosco); ouvir um adulto dizer de uma adolescente, "se ela fosse maior de idade marchava!"; ter um tipo que nos persegue, de pila à mostra desde o metro, em plena luz do dia, a proferir ordinarices, quando nós temos 14 anos; levar tareia dos maridos/companheiros e ter de fugir, viver fugida numa casa de acolhimento; sermos violadas, em casa, na rua, numa discoteca, num jardim, apresentar queixa e ser posta em causa? Haver atenuantes?... atenuantes para uma violação??!??!... haverá algum homem que sonhe sequer pelo que uma mulher passa? Saberão o medo que é estacionar o carro à noite, na nossa rua ou noutra perto, depois de um serão a trabalhar, das aulas na faculdade, de um jantar, de casa do nossos pais e ter medo de chegar à porta do prédio?... medo! Pânico!

Dizer que o feminismo é radical é perpetuar tudo isto! O feminismo não quer acabar com os homens, o feminismo quer que as mulheres deixem de ter motivos para terem medo!

Quantos de vocês, homens, já teve medo de ir sozinho ao cinema? De ir jantar fora sozinho? De ir na rua sozinho? De ir à praia sozinho? De viver sozinho? De apanhar um táxi sozinho?

Todos os exemplos que dei acima aconteceram, são reais! Uns passaram-se comigo, outros com pessoas muito próximas, tenho 2 irmãs estão lá situações com as duas em momentos diferentes, passaram-se com as minhas filhas, com amigas... são todas histórias reais, pensem nisso!

Eu já temi pela minha vida, na rua, num táxi, em casa, no trabalho... sempre por causa de homens! Felizmente sempre por homens estranhos, não eram familiares, nem amigos, nem conhecidos. Mas temi pela minha integridade. O maior medo que tive sempre foi o de ser violada! Nunca me passou pela cabeça ser assaltada (apesar de já ter sido) ou assassinada, mas todas estas situações que me fizeram temer pela minha integridade foram sempre de cariz sexual, de abuso. A primeira vez que temi por mim tinha 11 ou 12 anos, na rua, de dia e fui apalpada por um grupo de rapazes mais velhos, uns 5 ou 6, que só pararam quando cheguei à porta de casa e uma vizinha estava à janela e gritou... é traumatizante! É humilhante! Ninguém tem o direito de mexer no corpo de outra pessoa sem autorização! Não é uma brincadeira de miúdos, é abuso! É abuso que é aprendido e normalizado desde sempre. Cabe-nos a nós, sociedade, mudar isso. Não nos calarmos, não normalizarmos e nunca culparmos a vítima. A vítima jamais é culpada de nada!

Neste caso que nos chocou a todos, o individuo assume o que fez, os colegas corroboram, o INEM é chamado, a rapariga é identificada e confirma e o chefe da PSP, a Directora da Instituição onde o individuo vive (ou viveu) dizem que é mentira! Que ele mentiu!... porra! Mas que merda de sociedade é esta?!?!...

O feminismo é preciso, é urgente mudar isto, e precisa de todos nós! Homens e mulheres!

Aos homens peço que se ponham, por um segundo, no nosso lugar e imaginem o que é viver com medo de andar na rua. Medo de ser abusada e violada. Hoje, ou amanhã, quando forem pôr o lixo à noite, pensem que uma mulher tem medo de o fazer.

 

Ps. Qualquer comentário abusivo neste post não será publicado e será denunciado! Vão lá ser machozinhos recalcados para o raio que vos parta... Grata!

A ela tiraram-lhe tudo!

Como todos vocês, também estou chocada com o que aconteceu à pequena Valentina... não tenho palavras! Nada do que eu disser vai fazer justiça ao que aquela menina sofreu. Também não vou dar palpites sobre o que os dois seres que a mataram e torturaram mereciam... vou preferir que a justiça funcione, a das leis e a da vida.

Como diz a minha Aspirante mai'nova, até fico mal disposta!

Estou profundamente solidária e empática com o sofrimento daquela criança... eu sei o que é ser abusada em criança, apesar de não ter sido uma violência física. Eu posso avançar, escolher um caminho, viver e ser feliz, a Valentina não! A ela tiraram-lhe tudo! À Valentina já ninguém vai poder abraçar, proteger, dizer que vai ficar tudo bem... tão miseravelmente triste! 9 anos... a Valentina tinha 9 anos!... 

Há pessoas que são uma valente merda, mesmo!

Foste uma merda na minha vida!

Já o devia ter feito há mais tempo... mas faço-o agora! Nunca é tarde, dizem os antigos.

Vivi toda a minha vida presa na tua rede, nunca tive coragem de to dizer na cara, agora também já não vale a pena... já cortámos uma grande amarra, a da comunicação. Mais uma vez, por decisão tua! Nem isso me permitiste ser eu a fazer... foste tu, quem resolveu deixar de me falar. Tens sempre que ficar por cima, não é? Não to dizer na cara não me impede de to dizer desta forma, virtual, e a partir de agora cortar a maior amarra, a que me tem prendido a ti desde sempre, desde que me lembro de mim, aquela que não me deixa voar, aquela que, mal ou bem, está presa pelas emoções.

Foste uma merda na minha vida! Aliás, tens sido uma merda na tua própria vida, mas isso é um problema teu! És tu quem tem de o resolver. És tu quem tem de viver contigo, não eu! Fui obrigada, durante quase toda a minha vida a viver contigo, nas tuas amarras, nas tuas garras, manipulando-me, usando-me para atingires os teus objectivos... humilhando-me apenas para te sentires bem, importante, para te sentires alguém! 

Utilizaste toda a tua patranha, toda a tua manha, as tuas falas mansas, a tua tática de ataque e recuo, de esfaquear e fazer o curativo, para me minimizares, para que eu nunca fosse ninguém na vida! Disseste-o tantas vezes, ainda te consigo ouvir a voz: "Tu nunca serás ninguém na vida!"... foram das primeiras palavras que ouvi tuas, ouvi-as toda a minha vida de criança, de adolescente, de adulta... até te ter fechado a porta! Até te ter dito, já não me enganas! E tu, após mais uma tentativa de volte face, de tentares pôr os outros contra mim, como sempre fizeste toda a vida, e de não o teres conseguido desta vez optaste por deixar de me falar. És cobarde! Cobarde como só um cobarde sabe ser! Nem coragem tiveste de me enfrentar quando viste que já não conseguias ter o resto da malta do teu lado!

Foste uma merda na minha vida! Toda a minha vida! Ali, sempre, a pairar, a assombrar, a humilhar, a gozar, a diminuir, a mentir... nunca te apiedaste, mesmo quando apenas vias à tua frente os olhos amedrontados e desesperados de uma criança! Sim, eu era apenas uma criança! Nunca tiveste dúvidas quando me apanhavas sozinha, criança apavorada, e me ameaçavas, me fazias sentir uma merda, enganavas quem eu amava, gozavas comigo, dizias que eu era feia, que parecia um palhaço com aquela roupa, que o cor-de-rosa me ficava mal, assim como o amarelo, apenas e só porque sabias que eu gostava dessas cores... conseguiste que eu deixasse de ter uma cor favorita!... assim não haveria cores proibidas na minha roupa. O meu cabelo era horrível, dizias tu!, a minha avó arranjava-me cortes de cabelo medonhos, dizias tu, até que acabavas por me levar ao teu cabeleireiro e me obrigavas a usar os cortes de cabelo mais embaraçosos, humilhantes de todo o sempre para uma adolescente... nesses momentos eu ia para a escola encolhida, envergonhada, humilhada... mesmo assim tive sorte! Ou fui esperta... contei sempre aos meus amigos e colegas o porquê daquele penteado e assim ninguém gozava comigo mas sim contigo! Ninguém gostava de ti! Nenhum dos meus amigos e colegas te suportavam!... ainda hoje, quando encontro alguém que já não vejo há alguns anos, uma das primeiras coisas que me perguntam é por ti... quando respondo que não nos falamos, que já não fazes parte da minha vida, um sorriso honesto e sincero sai daquelas caras com um: Ufa! Ainda bem! Fico tão feliz!... porque quem gosta de nós alegra-se quando estamos bem! Porque quem gosta de nós alegra-se com os nossos sucessos!

Tu foste uma merda na minha vida! Não quero que me peças desculpa, jamais! Eu não iria acreditar nas tuas palavras, não seriam sinceras... eu iria apenas olhar em meu redor e tentar perceber qual era o patamar, a coisa ou quem tu querias conquistar desta vez, e mais uma vez à minha custa! Tu usaste-me toda a vida!

Passaste por cima de mim como se eu fosse transparente, como se eu não existisse. Atiraste-te sempre ao que querias sem olhares a quem atingias. Fui a tua vítima favorita! A mais fácil, a mais frágil e a mais valiosa também! Sabias bem que se me tivesses na mão, e tiveste toda a vida e sempre, conseguirias atingir tudo o que ambicionavas... e conseguiste! Mas a vida é tramada... fodida mesmo! E, voltamos aos antigos, quanto maior a subida maior a queda! Esbardalhaste-te por aí a baixo aos trambolhões... hoje estás muito só! Tens pouca gente à tua volta! Gente que te ame genuinamente sabes bem que só tens uma, e sabes bem porquê!... às vezes tenho pena de ti! Verdade! Pena genuína... deve ser tão triste!... há quem diga que tu és doente! Há quem diga que foste possuída por espíritos maus!... eu acho que tiveste uma vida de merda, sem nenhuma auto-estima, sem capacidade de realização, cuja única forma de atingir o nível de vida que pretendia era pisar os outros, que só se sentia importante se esmagasse alguém, que só se sentia bem se humilhasse uma criança... sim! Eu era uma criança, lembras-te?... indefesa, amedrontada, apavorada!

Foste uma merda na minha vida! Eu fazia tudo para te agradar, tudo! No meu pavor eu só queria  a tua aprovação, só queria que me dissesses que gostavas de mim... sabes quantas vezes na minha vida tu me disseste que gostavas de mim?... Nenhuma! Nunca! Ainda hoje me questiono... apesar de tudo será que gostaste de mim? Pelo menos um pouco?... eu gostei de ti! Eu era uma criança indefesa, amedrontada, apavorada, sozinha, que precisava de gostar de ti... e, apesar de tudo, gostava!... há coisas que só um coração puro de uma criança consegue, não é?

Foste uma merda na minha vida! Mentiste sobre mim, inventavas histórias sobre mim, falavas mal de mim, só e apenas para que ninguém gostasse de mim!... conseguiste! Parabéns! Conseguiste que tios, tias, primos e amigos adultos não gostassem de mim! Eu, uma criança!... tu fizeste-os acreditar que eu era má para ti, que te tratava mal, que tu eras uma santa por me aturares... eu, uma criança que fazia tudo para te agradar! A ti e a todos a quem tu mentias e manipulavas!... eu, uma criança que apenas procurava amor e aprovação!... 

Foste uma merda na minha vida! Fizeste com que cada dia, logo pela manhã, fosse uma ansiedade, uma incerteza, sem saber se era dia me tratares bem, de forma a manipulares alguém, de forma a me manteres manipulada, ou se seria dia em que nem me falavas (apenas o fazias se estivéssemos na presença de outras pessoas) e em que me irias assustar, humilhar...

Foste uma merda na minha vida! Chorei tanto por tua causa... talvez por isso hoje não tenha lágrimas!... talvez por isso esta minha doença mas tenha secado!... o Universo, seja de que forma foi, achou que eu não merecia chorar mais... mas ainda choro, só que sem lágrimas! Foste uma merda tão grande na minha vida que até as lágrimas me tiraste!

Foste uma merda na minha vida! Lembras-te quando me fechavas no quarto escuro, numa casa que eu não conhecia, eu a chorar de medo, e tu a dizeres, "cala-te! São horas de dormir!"?.... eu com medo! E tu, no teu sadismo ainda me contavas histórias de almas penadas, fantasmas e outros que tais!... contavas-me na primeira pessoa, como se se tivessem passado contigo para dar ainda mais credibilidade!... e eu, criança pequena, com medo de dormir... passei horas, noites acordada! Eu, criança pequena, sozinha, assustada, com medo!

E tu dizias-me sempre, de forma jocosa, com um sorriso de gozo profundo, com escárnio: Tens medo de tudo... E tudo piorava quando o fazias, constantemente, em frente às outras pessoas, fossem adultos ou crianças, como eu!... e tudo piorava quando o fazias para os outros como se eu não estivesse ali... adoravas humilhar-me como se eu não estivesse presente, a ouvir tudo!... e eu, uma criança, incapaz de me defender!

Foste uma merda na minha vida! Lembras-te quando, já jovem adulta, voltei de um fim-de-semana e tu tinhas deitado fora, vendido, o que fosse, a mobília do meu quarto e lá puseste uma outra já usada apenas porque querias remodelar a outra assoalhada?... e eu, jovem adulta, sem ser tida nem achada no assunto! Com um total desprezo pela minha pessoa!... cheguei e tinha a roupa, os livros, tudo o que era meu espalhado pelo chão para arrumar... Foste uma valente merda na minha vida, caraças!

Foste uma merda na minha vida! Recordas-te das vezes em que me dizias, directa ou indirectamente, e por indirectamente entenda-se de quando falavas alto e bom som para outras pessoas sobre mim (era o teu passatempo favorito!... com amigas, família, amigos meus, funcionários de lojas!... sim! Até com os funcionários de lojas, caraças!... que olhavam para mim condescendentes, com pena, sem saberem o que dizer ou fazer... hoje, alguns, teriam feito queixa tua! Isto era violência infantil!), "Não fazes nada de jeito!... não tem jeitinho para nada esta miúda!... nunca vais ser ninguém!... a sério?!?... nem isto consegues fazer?!... só faz más escolhas! Os amigos dela são uma desgraça!... só se dá com gente que não interessa (nunca soube o que é gente que não interessa!... mas tu dizias isso constantemente!)...". Isto tudo dito, sempre, de mão na cabeça, em desespero (ias bem para o teatro!), ar de gozo, sempre de forma jocosa, maléfica e de peito inchado! Sempre tiveste o peito inchado, caraças! Achaste-te sempre a última bolacha do pacote, o supra-sumo da inteligência, o pináculo do ser humano, tu lá em cima e todos os outros a rastejarem aos teus pés... era assim que eras, era assim que vias o mundo!... ainda hoje deves ser assim... mas hoje também não me interessa!

Foste uma merda na minha vida! Quando não me compraste presente de Natal porque não tinhas dinheiro, e enchias a árvore de todos os produtos mais luxuosos, para ti e para os teus! Quando apenas me ofereceste um par de calças e na árvore estavam presentes cujo valor ascendia aos 4 dígitos, e o primeiro não era um 1, nem um 2, nem um 4... dinheiro era coisa que jamais te faltava!... nem que tivesses de o roubar!... E isto era no Natal, na Páscoa, no Carnaval, nos Aniversários... afinal o Natal era sempre que tu querias, verdade? Também me deste bons presentes! Sempre nas alturas em que eu já estava quase a cair do precipício e tu ias lá buscar-me... não podias ficar sem mim, não era? E aí sim, vinham os sapatos de 3 dígitos, os casacos que custavam pra lá de um ordenado mínimo... nunca soubeste comprar barato, disseste-me tu uma vez, com o teu ar de gozo! Fazias sempre questão de me dar os presentes com a etiqueta do preço, sempre! Para eu saber o quanto valia a minha humilhação! Entregavas, com um sorriso de escárnio nos lábios e obrigavas-me sempre, mas sempre, a dar-te um beijo e a dizer: Obrigada!... às vezes tinhas um ritual, levavas-me contigo às compras e se entrássemos em 10 lojas diferentes e se em cada uma delas me comprasses qualquer coisa, nem que fosse um chocolate, ou o lanche, mal saíamos, logo à porta, eu tinha de te dar um beijo e dizer "Obrigada!"... humilhação?!... loucura?!?... prazer?!?... tudo junto! Tudo junto!

Foste uma merda na minha vida! Chegar ao pé de ti, fosse logo pela manhã, à tarde ou à noite, significava ouvir um: Estás com tão má cara!!!... Estás amarela!... Tens olheiras que metem medo!!... e esse cabelo? O que lhe aconteceu?!?... vais assim vestida para a rua?!... esta miúda está doente! Esta miúda tem de ir ao médico!... todos os dias! Desde que me lembro de mim, a primeira palavra que ouvia tua era de humilhação!... eu, uma criança apenas, a quem tu um dia disseste, e como viste que resultou repetiste durante o resto da vida, "Esta miúda foi possuída por um espírito mau! Esta miúda tem de ir à bruxa!"... como é que uma criança dorme a saber que foi possuída por um espírito mau, caraças? Como?!?!

Foste uma merda na minha vida! Sabes que às vezes o que doía mais nem eram as tuas palavras, eram as tuas respostas silenciosas a algo que eu havia dito, sempre na presença dos outros, e sempre com o teu sorriso de escárnio... quando me ignoravas de propósito, deixando-me a falar sozinha! Ou quando respondias para o lado, para quem estivesse ao pé de ti, sempre com o teu sorriso de escárnio, "Eu nem digo nada!", ou "Oh! Meu Deus!".... esse Deus que tu dizes acreditar...

Em todas as etapas da minha vida tu me disseste: "Esquece! Tu não vais conseguir!"... e eu sempre acreditei nisso! Sempre consegui, apesar de tudo, mas sempre com a bitola muito baixa! Sempre a fazer escolhas seguras que não me permitissem falhar. Nunca quis voar alto pois sempre soube que nunca iria conseguir lá chegar! Tu fizeste sempre questão que eu soubesse que não ia conseguir! Parabéns! Foste um sucesso! Conseguiste garantir que eu não tenha sido "ninguém", que nunca tenha tido sucesso, que eu nunca tenha conseguido!

Foste uma merda na minha vida! Durante toda a vida que vivi contigo desejei poder ser maior de idade, independente e sair de casa!... juro-te, todos os dias dou graças aos santos, não ter tido de fazer uma quarentena quando era miúda, contigo na mesma casa... não teria aguentado!

Foste uma merda na minha vida! Lembras-te quando me obrigavas a perguntar-te sempre se podia comer?... de não me poder servir à vontade da comida que havia em casa... de esconderes de mim alguma comida mais valiosa ou que sabias que eu gostava mais e, como criança que era, podia comer tudo... tipo chocolates! Quando compravas doces ou um bolo e dizias que era para oferecer, só para eu não lhes tocar... eu era uma criança! Uma criança!

Foste uma merda na minha vida! Lembras-te quando me dizias, "ou bem que arranjas um homem rico para casar ou estás feita!...". Eu, para ti, era uma merda! Mas uma merda muito valiosa!... daquelas que te valeram viagens a sítios caros, roupa cara, restaurantes chiques, casas de sonho. Perderes-me foi perderes tudo isso!... só agora, que te escrevo, o noto!... mas tu já sabias! Tu fizeste uma última tentativa desesperada de me agarrar antes de afogares... e eu quase caí novamente nas tuas garras... mas, felizmente não caí! Não caí porque, afinal eu já não era aquela criança, já não precisava do teu amor, nem de ti para sobreviver. Porque tu jogaste o mesmo jogo de sempre, e desta vez não resultou e foi aí que deixaste de me falar... atraíste-me com o teu mel para logo de seguida me tirares o tapete, como sempre fizeste, mas desta vez não resultou!... confrontei-te! Abri a cortina e falei a quem tinha de falar e quando tu lá chegaste com as tuas queixas e sorrisos jocosos e lágrimas de crocodilo já estavas desmascarada!... não resultou! Deixaste de me falar, não por raiva, não por vingança, mas porque sentiste que eu te tinha traído! Estavas a castigar-me!... só que desta vez eu não recuei! Já lá vão uns valentes anos sem nos falarmos!... mas tu continuas a amarrar-me! Eu continuo presa nas tuas teias, nas tuas garras... porque tu fizeste bem o teu trabalho! Tu conseguiste que eu acreditasse mesmo que sou uma incapaz! Que jamais serei alguém na vida!

Não quero que me peças perdão! A única coisa que eu quero tua é que me deixes em paz! Deixa-me!

Foste uma merda na minha vida até hoje! Foram precisos 4 anos de terapia para, finalmente, perceber e alguém me dizer, com todas as letras: "Você foi vítima de violência infantil!... e isso é duríssimo!". A violência infantil não é apenas física... a minha não foi, apesar de doer fisicamente, e muito!... sabem lá as dores que tenho nas costas enquanto escrevo isto, caraças! Eu sofri abusos, que não foram físicos nem sexuais, e nunca ninguém quis saber!... até hoje! 

Hoje escrevo-te estas palavras porque foste uma valente merda na minha vida, mas já não és! Eu escolho, com todas as minhas forças, abraçar-me, acarinhar-me, amar-me e permitir-me ser feliz, ter sucesso, e conseguir! Eu escolho ser alguém na vida!

Adeus!