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A Marquesa de Marvila

Aqui não se aprende nada... Lêem-se coisas escritas por mim, parvoíces na maioria das vezes mas sempre, sempre verdades absolutas (pelo menos para mim).

Porcelana e rissóis

Hoje uma das minhas avós faria anos... se fosse viva faria mais de 100...

Foi dela que herdei a realeza. Pessoa de "boas famílias", seja lá o que isso for, ela sim, viveu num palácio! Um palácio a sério, daqueles com igreja dentro e tudo, um palácio sem princesas mas com nobreza. Um palácio que já foi palco de filmes e novelas, que eu via com a minha avó, em sua casa, e testemunhava a sua mais profunda tristeza por já não viver lá e por este ter mudado de mãos. Curioso que, anos mais tarde, por mais do que uma vez, a minha profissão já me levou a tal palácio, até já lá pernoitei. 

Há muitos, muitos anos, as mulheres não podiam herdar propriedade agrícola, e aquele palácio assim era considerado. Ficou tudo para o meu tio avô que depressa tudo perdeu.

A minha avó, para quem gosta e entende de signos, era uma aquariana pura. A pessoa que fazia tudo ao contrário do que era suposto. De uma boa disposição, com um sentido de humor, com um conhecimento e cultura enormes. Enquanto os seus irmãos escolheram desportos dignos de meninos que viviam num palácio, a minha avó foi jogar hóquei. Vero! Foi guarda-redes da selecção feminina de hóquei. Ainda há fotos dela por aí nas paredes dos clubes e federação. Estudou até ao 12º ano, nunca aprendeu a tocar piano, mas dançava e batucava numa pandeireta como só ela, estudou num excelente colégio e teve professores em casa e um ror de empregados. Andava, segundo ela, de bicicleta dentro de casa o que enlouquecia a minha bisavó e os empregados. Pregava partidas a toda a gente e estava proibida de comparecer aos jantares e festas que os meus bisavós davam... ela não só arranjava maneira de comparecer (nem que fosse com a farda roubada a uma empregada) como de fazer uma asneira ou outra que punha muitos a rir e alguns a espumar...

A minha avó conheceu presidentes da república, em Portugal e no estrangeiro. Foi recebida no Palácio de Belém numa cerimónia privada do presidente da altura e sua mulher. Claro que a primeira coisa que fez quando saiu de lá foi contar-nos tudo, a rir e a sonhar com todos os disparates que queria ter feito mas conteve-se. Ela sabia mesmo estar... quando queria!... A minha avó saiu dos banquetes e rumou, religiosamente, todos os anos, para a festa do avante. A minha avó casou, teve 4 filhas, 6 netos e, já não tendo eles o privilégio de a conhecer, nenhum deles, 8 bisnetos.

A minha avó tinha um doce coração, era muito liberal, para a altura, aparentemente despreocupada com as filhas, a quem dava responsabilidade e elas que se amanhassem (Aquário, lá está!), fazia de tudo para fazer rir os netos, para os fazer felizes. O meu pai, seu ex-genro, ainda hoje diz que ela foi a melhor pessoa que ele já conheceu, um pouco aluada da cabeça mas excelente pessoa.

A minha avó era uma aquariana pura, daquelas que faz mesmo tudo ao contrário do que é suposto. Quando educou as filhas, no seu aparente amanhem-se, ensinou-as a estar, a falar, a pegar em talheres, a cortar fruta com garfo e faca. A minha avó achava-se feia, e achava que o meu avô era bonito. Para lhe fazer ciúmes, quando iam na rua de braço dado, ela posicionava-se ligeiramente atrás e, cada vez que passavam por alguém, ela fazia caretas, naturalmente as pessoas olhavam, sorriam-lhe e viravam-se para trás. Ela, orgulhosa ouvia o meu avô dizer-lhe, toda a gente olha para ti, pela tua beleza.

A minha avó fazia os melhores rissóis do mundo, o melhor bolo do universo, passava horas a fazer-me festas nas costas e a contar histórias da sua vida passada. A minha avó teve uma educação esmerada mas era comunista. A primeira vez que andei de avião na minha vida foi com ela, 14 horas de viagem, eu e ela, sozinhas. Eu criança e ela a comportar-se como se fosse, a rir e a fazer-me rir, a contar-me histórias para me distrair, a pintar e fazer desenhos comigo, a segurar-me a cabeça quando eu vomitei em pleno voo.

A minha avó levava-nos, a mim e às minhas primas, a lanchar às casas enormes das suas primas e tias. Era servido o chá em louça de porcelana, biscoitos estavam à disposição na mesa, tínhamos de estar direitas na mesa, saber pegar na chávena, usar os talheres e não falar a não ser quando nos perguntavam alguma coisa... ela olhava para nós de soslaio (olhem escrevi outra vez esta palavra!... viva eu!) quando estávamos a fazer mal, de repente dava-nos uma beliscão de baixo da mesa e enchia-nos os bolsos de biscoitos, sem que ninguém visse, sorria para nós e às vezes desatava a rir para incómodo da tia ou prima que nos recebia e não percebia o motivo... mas nós não podíamos perder a compostura. Havia uma prima que tinha uma casa tão grande que, quando eu e uma das minhas primas fomos à casa de banho, perdemo-nos. Ela, sabendo-nos perdidas, e sabendo que a casa tinha passagens de umas assoalhadas para as outras, por ali andava a fingir desespero que estávamos perdidas para sempre e que tínhamos de lá ficar a viver, nós a ouvirmos a tentar chegar a alguém e ela a fugir, a gozar connosco... salvámo-nos quando chegámos à cozinha e as empregadas, a rirem por já saberem o que se passava, nos levaram para o jardim para irmos ter com a minha avó que ria muito quando nos viu.

A minha avó já morreu há mais de 30 anos e ainda hoje eu sonho que ela afinal está viva. Hoje faria anos e onde ela estiver há, com toda a certeza, um belo bolo, música e danças, risos e partidas, chá em chávenas de porcelana tomado no chão de terra ao som de Grândola Vila Morena, fará um brinde com um qualquer rei e com Che Guevara.

Tenho saudades dela, não tivemos tempo para que me contasse todas as suas histórias, que eu ouvia deliciada.

A minha avó não era estouvada da cabeça, como muitos achavam, era aquariana, uma mulher muito, mas muito à frente no tempo, que a maioria não compreendia e por isso etiquetava de "aluada", ela era uma mulher moderna, liberal, que viveu fora do seu tempo. Se fosse hoje estaria mais enquadrada mas mesmo assim seria muito à frente.

Parabéns Avó!

Raisparta, ao cubo...

Gosto de escrever!... a sério que gosto! Tenho sempre dúvidas se haverá alguém que goste efectivamente de me ler, mas gosto de escrever na mesma! É claro que gosto bastante mais que me leiam do que não, porque se fosse escrever só porque sim, tinha um diário fechado à chave para que ninguém acedesse!... também já tive! Quando era miúda!

Obriguei-me a escrever 3 vezes por semana, mesmo que não me apeteça, mesmo que não saiba o que dizer!... aqui estou eu! Num dia difícil comó catatau (que eu não digo asneiras... pelo menos todos os dias... eeaarrrr... pelo menos sempre que escrevo... errrr.... é melhor estar calada, masé, que ainda não acabei o texto e ainda se pode dar o caso de asneirar por aí!... ), que é o dia de hoje, não me apetece fazer porra nenhuma, raisparta! Mas aqui estou eu, a debitar assunto... e vocês os 3 aí, a lerem... já somos 4, já dava uma suecada

Ando há uns dias para escrever sobre um assunto que anda aí nas bocas do mundo, mas não me apetece... estou fraquinha ao nível da parvoíce alheia e só me apetece enroscar e lamber as minhas feridas... não estou com pachorra para aturar pessoal com deficit de leitura e de conhecimento que destilam ódio e votam em energúmenos! A minha saúde mental, parecendo que não, está em primeiro lugar!

Hoje li, no currículo de uma pessoa, "faz da escrita profissão"... achei bonito! Gostava que dissessem o mesmo de mim, mas seria mentira já que eu não ganho um chavo, um tostãozinho, um feijão sequer, com a minha escrita.... raisparta, outra vez! Era pessoa para ser feliz se me pagassem para eu escrever... acorda, Marquesa da vida das 'soas mai' lindas!!!... tu escreves umas larachas mas é só isso!... raisparta, mais uma vez...

Isto não anda fácil por aqui... mesmo nada! Abateu-se sobre este nobre palácio uma nuvem escura, carregada de chuva e más energias... daquelas que nos sugam a vitalidade... está tudo embrulhado de tal maneira que não há forma de se lhe encontrarmos a ponta do fio... podia dizer-vos que é do confinamento, que é!; que é deste vírus assustador, que é!; que é da falta de trabalho, que é!; que é da falta de dinheiro, que é!; que é das aulas on-line, que é!; que é do estado deprimido de uma aspirante e da ansiedade da outra, que é!; mas, efectivamente tudo começou em 1973, no ano em que a minha história se começou a fazer... merda pá! (pronto, já asneirei!... raisparta), já são alguns anitos a acartar com este saco pesado às costas! Se calhar está na hora de o largar... ou de o abrir e deitar fora as tralhas!... 

Há dias em que me apetecia o colo da minha avó... e hoje é um desses dias!... em que bastava deitar-me, com a cabeça no colo dela e em silêncio... se fosse para reclamar, praguejar ou chorar mais valia ir fazê-lo para outro lado... já que, para praguejar estava cá ela, para reclamar também e para chorar... senhores, ela era incapaz de me ver a chorar sem se desorientar, sem chorar também e sem que o seu coração, fraco, desatasse numa velocidade alucinante... mas bastava-me o colo para ficar tudo bem!... e ambas sabíamos isso!

Não tenho o colo dela, resta-me a escrita! A minha!... sorry, 'soas mai'lindas de Vossa Marquesa, hoje aturam-me as dores, melhores dias virão!... espero! Mais não seja para uma sueca, bale?

Ela hoje faria anos... e eu tenho saudades dela!

Hoje faria anos a primeira pessoa mais importante da minha vida!
Não há dia que passe que eu não pense nela!
Uma das minhas maiores tristezas é que não tenha conhecido as minhas filhas, que não lhes tenha pegado ao colo, que não lhes tenha acariciado os cabelos e as sobrancelhas, como me fazia quando me ia acordar ou ver dormir, que não lhes tenha dito "não me arrelies" ou "estás-me a atazanar"... não conheço mais ninguém que use estas duas palavras tão frequentemente como ela usava. Ela não se chateava, arreliava-se, ela não se maçava, atazanava-se...
Sinto-lhe o cheiro sempre que a quero perto de mim e através dele sinto que está sempre presente... que está aqui à distância do amor que a ela me une para sempre! E toda a gente sabe que o amor nunca morre! E quando as nossas pessoas são feitas de amor também não, porque o amor não morre nunca!
Tenho saudades dela! Saudades tão grandes e boas! Boas porque todos os momentos que com ela passei foram de amor, mesmo quando me dizia que me ia pôr na Mitra sempre que eu a atazanava em demasia... depois, deixava-me adormecer e, baixinho ao meu ouvido de forma a que acreditava que eu não ouviria, dizia: Desculpa! És a pessoa mais importante do mundo! Amo-te muito! Nunca te vou pôr na Mitra!... e chorava arrependida! Eu fingia que não tinha ouvido! Nunca lhe disse que sabia que ela me pedia sempre, mas sempre, desculpas à noite, ao ouvido enquanto eu dormia.
Ela tinha uma força como não existe no mundo! Ela suportou tudo aquilo que não é humano suportar! Ela sofreu muito mas mesmo assim conseguiu ser feliz. Acreditou sempre e sempre me disse: - Filha, ninguém morre de amor! - e eu sempre acreditei nisso! Se ela não morreu, ninguém morre!
Com ela aprendi a ser Sportinguista! Aprendi também a ser do Oriental (Clube Oriental de Lisboa)!
Ela ensinou-me a honestidade, a dignidade, a retidão, as regras e a sinceridade! Nunca conheci mulher mais íntegra do que ela!... 
Ela ensinou-me que ser mulher é sinal de poder, é sinal de fazer acontecer. Não há nada que uma mulher não possa fazer, desde que nos padrões da honestidade e integridade! Mas para estes não há sexo, há pessoas!
Ela ensinou-me que ser mãe é muito mais do que engravidar e parir. Ela não esteve grávida de mim, não me pariu mas foi a pessoa que mais me amou. Foi a pessoa que me pegou ao colo e me protegeu de tudo e de todos. Foi a pessoa que morreria por mim e nunca permitiu que me magoassem. Foi a pessoa que me deu colo e toda a gente sabe que não há nada melhor no mundo do que ter um colo. Um colo que nos aninha, que nos protege, que nos garante que há sempre um lugar seguro para voltar!
Tenho saudades dela! Muitas saudades! Gostava que tivesse sido eterna!... não foi! E é uma pena que não tenha sido! O mundo só teve a perder com a sua partida!... morreu cedo! Cedo mas com um peso da vida que eu não quero imaginar, que eu não suportaria!
Ela hoje faria anos! E não há um dia em que eu não pense nela! 
Esta semana será também o aniversário da sua morte! Fará 26 anos que partiu... tinha 70 anos! Ela era a minha avó! E até hoje eu não conheço palavra mais bonita. É a palavra que há 26 anos deixei de pronunciar como minha... avó! Avó era ela, não há mais nenhuma! Naquele dia morreu o meu colo, o meu porto seguro, a minha segurança, a pessoa que me garantiu que eu era amada, que me deu amor... quando choro penso nela, quando tenho dúvidas penso nela, quando estou triste preciso do colo dela, quando estou feliz quero partilhar com ela... e partilho! Eu falo com ela todos os dias... não sei se me ouve, mas eu falo e sinto-a!
Hoje faria anos a mulher da minha vida e eu tenho saudades dela! Ela nunca deixará de me fazer falta!
Parabéns Avó!