Não sejam uns merdas!....
Sempre me fez confusão, e vocês já vão sabendo disso, as pessoas que vivem para trabalhar. Pessoas que entranharam completamente o conceito social de que só são "alguém" se derem o litro, se suarem as estopinhas (adoro esta expressão), se sacrificarem tudo...
Lamento desiludir-vos, mas estais errados! Vós só sereis "alguém" quando fordes empáticos para com os semelhantes e todos os seres que habitam o planeta, e até para com o próprio planeta. Só quando conseguirem calçar os sapatos dos outros, usarem os seus óculos e sentirem as suas dores é que serão "alguém", até lá, por muito que labutem, que não durmam, que tenham as contas recheadas, não são ninguém, nem para vós próprios. Quando vejo pessoas assim sinto dó, pena e lamento muito por elas.
Já encontrei alguns espécimes destes ao longo da vida... mas hoje, para ilustrar o que vos escrevo (nada temam que não vou fazer um desenho!... eu poupo-vos aos meus traços...) vou-vos falar de uma pessoa que passou na minha vida.
Com essa pessoa trabalhei, ela era minha superior, e sim, era uma ela... que a maluqueira do trabalho não dá só aos homens. Eu consigo, hoje, sentir uma certa empatia por ela e com o que ela passou, apesar da pena... no início, escolheu não trabalhar e cuidar dos filhos a tempo inteiro, sustentada pelo marido que ganhava balúrdios... um dia bateu com a porta e resolveu ser "alguém"... largou tudo e foi trabalhar. O trabalhou tornou-se uma obsessão, ela queria fazer ver ao marido, e ao mundo em geral, que era capaz, e foi!... mas tornou-se uma godzilla do trabalho!... raisparta! Fez das tripas coração e nunca conquistou o nosso administrador... profissionalmente falando, que tudo que ela conseguiu foi com mérito e trabalho. Ela fez da minha vida um inferno, mas não era má para mim, apenas achava absurdo como é que eu não vivia o trabalho como ela... como é que eu não dormia com o trabalho debaixo da almofada... Eu que até tinha tantas capacidades a dar os mínimos, deserta por ir para casa, estar com os amigos, curtir a vida sem pensar no trabalho... ela não entendia isto!
No dia do meu casamento, ela conseguiu, após me dar os parabéns, começar todo um assunto sobre um cliente, trabalho, e blá-blá-blá, e coiso e tal... e eu... com cara de cu com diarreia, com o sorriso mais amarelo canário que encontrei, a abanar a cabecinha qual cão numa chapeleira de um bonito Ford Capri, quando o marido lhe disse, embaraçado (mas não grávido, só com vergonha mesmo!): Errrr.... se calhar já chega! Talvez ela hoje não esteja interessada em falar de trabalho!... contrariada, e amuando, lá se calou. Eu, mentalmente agradeci ao meu anjo, seu marido, e segui a minha vida, a brindar e a curtir a festa.
Mas a cereja no topo do bolo, para que vejam bem a insanidade daquela pessoa, foi no dia em que eu sofri um aborto espontâneo. Era a minha primeira gravidez, comecei a sangrar e com dores e fui parar ao hospital. Fiquei em repouso em casa uma semana, finda a qual a hemorragia aumentou e as dores também, lá fui de novo para o hospital, desta feita para ficar internada e proceder a uma curetagem (ide ver ao Google e parem de chamar raspagem a este acto médico, bale?... não minervem!), no dia seguinte tive alta e vim para casa. Foi-me dada baixa de 1 mês e aconselhada a consultar um psicólogo, levar uma vida leve e despreocupada durante esse tempo e a ir à minha médica uma semana depois para observação.
Nesse mesmo dia, quando chego a casa ela liga-me, para saber de mim...
- Então Marquesa, como estás?
- Errrr... cá estou, não é?
- Ok, ok... então e vais ficar em casa quanto tempo?
- Pois, não sei... tenho baixa para 1 mês mas aconselharam-me a fazer o que me apetecesse, a ter terapia e a ter cuidados... não sei... (eu estava a conversar a medo... confesso!).
- Olha, o melhor é vires trabalhar! (assim! De chofre! Sem aviso, sem anestesia! Trás!) Não há nada melhor do que recomeçar a vida, esquecer isso (isso?!?!), e ocupares a cabeça com outras coisas.... Hoje é Domingo, descansas e amanhã regressas, parece-te bem?
- hummm.... pois... não! Não me parece bem! Estou cheia de sangue, mal-disposta, em baixo psicologicamente... não me parece bem!
- Pois... então 1 semana! Se ficas nisso (nisso?!?!?) mais tempo nunca mais recuperas... o trabalho dá saúde e esqueces isso (isso?!?!?!... de novo) num instante...
Porra! Mas quem é que disse a esta alma que eu quero esquecer? Já se passaram 18 anos e ainda não esqueci, caneco!
Agora pergunto eu, onde e quando é que esta pessoa se tornou "alguém"? Ganha bem? Ganha! Trabalha no que gosta? Trabalha! Viaja pelo mundo? Confere! Fala não sei quantas línguas? Fala, pois! É independente? Completamente!... mas onde é que ela se esqueceu da humanidade?... em que banco de jardim, gaveta ou cofre a deixou?
Pessoas, entendam de uma vez, o que é bom para vocês não tem de ser bom para os outros e vocês não têm o direito de lhes escarrapachar na cara o que é ou não bom para eles, bale? Ao fazerem isso estão a ser uns merdas e a deixar aquela pessoa na merda!
Já não falo com esta pessoa há uns tempos, mas acreditem, após ter percebido que ela era tão infeliz que só o trabalho lhe dava felicidade, que a sua plenitude se media pela quantidade de dinheiro que tinha no banco, passei a sentir dó dela, passei a vê-la com os meus óculos da condescendência... até ficámos amigas a determinada altura.
Há vida para além do trabalho e, tal como a adição ao sexo, às drogas, à comida, ao jogo, etc., a adição ao trabalho deveria ser considerada uma doença. Mas isso implicava mexer com toda a estrutura social e capitalista! Fica para um futuro não tão próximo assim, infelizmente!